Antes de ser policial civil, eu
fui policial militar; antes de ser
policial militar, eu fui carteiro; antes de ser carteiro, fui bombeiro; antes de ser bombeiro, fui cobrador de ônibus; antes de ser cobrador de ônibus, fui fuzileiro
naval; e antes de ser fuzileiro, fui
palhaço de circo. Paralelamente a estas profissões,
sou desenhista de quadrinhos e programador de jogos para web, além de lecionar
história quando estava na UFRN.
Como desenhista de quadrinhos, ouço de alguns,
SEMPRE, que sou um desocupado. Como programador de jogos, ouço de alguns,
SEMPRE, que sou um nerd idiota. Como palhaço de circo, ouço de alguns, ATÉ
HOJE, que aquilo é vida de vagabundo. Como fuzileiro naval, ouvi de muitos, que
fui um BONECO DO ESTADO. Como cobrador de ônibus, ouvi de muitos, que eu era um
ladrão, por não ter, às vezes, moedas de R$ 0,01 e R$ 0,05, para dar de troco.
Como carteiro, guardo cicatrizes,
para o resto de meus dias, de mordidas de cães e de acidentes de trabalho, como
atropelamentos, causados pelos “ZECAS” da vida, além de ouvir de todas as mães
com as quais me deparava, que eu era “O HOMEM DO SACO” que iria raptar as
criancinhas.
Como bombeiro, NUNCA recebi um “obrigado”, ao
retirar um gatinho de uma árvore, nem por mergulhar num esgoto, para salvar uma
pessoa que foi levada por uma enxurrada. Tive que aprender a me ACOSTUMAR com
isso, além de começar a compreender como a linha da vida é tênue e a matéria se
desfaz por besteira.
Como POLICIAL MILITAR, enfrentei o maior
choque cultural de minha vida, ao ter de argumentar com todo tipo de pessoas,
do mendigo ao magistrado, entrar em todo tipo de ambiente, do meretrício ao
monastério.
Como policial militar, fui PARTEIRO, quando
não dava tempo de levar as grávidas ao hospital, na madrugada; psicólogo,
quando um colega discutia com a esposa, diante da incompreensão dela, às vezes,
com a profissão do marido; assistente social, quando tinha de confortar A MÃE
DE ALGUMA VÍTIMA assassinada por não possuir algo de valor que o assaltante
pudesse levar.
Como POLICIAL MILITAR, fui
borracheiro e mecânico, ao socorrer idosos e deficientes com pneus furados;
pedreiro, ao participar de mutirões para reconstruir casas destruídas por
enchentes; paramédico fracassado, ao ver
um colega ir a óbito a bordo da viatura e realizado, ao retirar uma espinha
de peixe da garganta de uma criança.
Como POLICIAL MILITAR, fui
apedrejado por estudantes da mesma escola na qual estudei e fui professor, por
pessoas do mesmo grêmio do qual participei; fui obrigado a me tornar gladiador
em arenas repletas de terroristas, que são os membros de torcidas organizadas,
em jogos de times pelos quais nem torço; sobrevivi a cinco graves acidentes com
viaturas, nunca a menos de 120km/h, na ânsia de chegar rápido àquela residência
onde a moça estava sendo estuprada ou na qual um idoso estava sendo espancado.
Como POLICIAL MILITAR, fui juiz da vara cível,
apaziguando ânimos de maridos e mulheres exaltados, que após a raiva uniam-se
novamente e voltavam-se contra a polícia; fui atropelado numa BLITZ, por um
desses cidadãos que por medo da polícia, afundou o pé no acelerador e passou
por cima de vários colegas; arrisquei-me a contrair vários tipos de doenças, ao
banhar-me com o sangue de vítimas às quais não conhecia, mas que tinha obrigação
de tentar salvar.
Como POLICIAL MILITAR, arrisquei contaminar
toda a minha família com os mesmos tipos de doenças, pois ao chegar em casa,
minha esposa era a primeira a me abraçar, nunca se importando com o cheiro acre
de sangue alheio, nem com as manchas que tinha de lavar do uniforme; fui juiz
de pequenas causas, quando em minha folga, alguns vizinhos me procuravam para
resolver SEUS problemas.
Como POLICIAL MILITAR, fui advogado,
separando, na hora da prisão, os verdadeiros delinquentes dos “laranjas”, quando
poderia tê-los posto no mesmo barco; o homem que quase perdeu a razão, ao
flagrar um pai estuprando uma filha, enquanto a mãe o defendia; fui guardião de
mortos por horas a fio, sob o sol, a chuva e a neblina, à espera do RABECÃO,
que, já lotado, encontrava dificuldade para galgar uma duna mais alta, ou para
penetrar numa mata mais densa.
Como POLICIAL MILITAR, fiquei revoltado, ao
necessitar de um leito para minha esposa parir, e ao chegar no hospital da
polícia, deparar-me com um traficante sendo operado por um médico particular; fui
o cara que mudou todos os hábitos para sempre, andando em estado de alerta 25
horas/dia, sempre com um olho no peixe e outro no gato, confiando desconfiado;
fui xingado, agredido, discriminado, vaiado, humilhado, espancado, rejeitado,
incompreendido.
Na hora do bônus, esquecido, na hora do ônus,
convocado. Tive de tomar, em frações de segundo, decisões que os julgadores, no
conforto de seus gabinetes, tiveram meses para analisar e julgar. E mesmo hoje,
calejado, ainda me deparo com coisas que me surpreendem, pois afinal ainda sou
humano...
Não queria passar pelo que
passei, mas fui voluntário, ninguém me laçou e me enfiou dentro de uma farda,
né? Observando-se por essa ótica, é fácil ser dito por quem está “de fora”, que
minha opinião não importa, ou que simplesmente, não existe.
Amo o que faço e o faço porque
amo. Tanto que insisto em levar essa vida, e mesmo estando atualmente em
outra esfera do serviço policial, sei que terei de passar por tudo de novo, a
qualquer hora, em qualquer dia e em qualquer lugar.
E o farei, mesmo se reclamar, sem recuar.
Autor desconhecido/com edição
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